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Melody Queen em sua performance final no Drag Sunset realizado na Aqua Party | Foto: @pirolifoto

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23 JAN, 2025

concursos

Dedo no glitter e gritaria

Um relato apaixonado sobre o deslumbrante mundo dos concursos drags em beagá.

por Wallace Pacheco

Acho quase impossível não sair de um concurso de drags arrebatado emocionalmente, nem que seja de ódio por que sua favorita não levou a coroa para casa. Existe algo mágico nesse universo recheado de plumas, lantejoulas, glitter, todos os ornamentos imagináveis e os inimagináveis também - e, óbvio, muito enchimento utilizado por elas na montação - que capta minha atenção de forma desmedida.

Desde pequeno o universo das drag queens me fascina. Arrisco dizer que começou em 2008, quando eu tinha 9 anos idade, com as performances audiovisuais de Lady Gaga (e não ouse questionar a “dragbilidade” dessa mulher). Hoje, depois de mais de 30 temporadas de Rupaul Drag Race, minha paixão por elas só cresce. O tempero de excesso, transgressão e luxúria é o que sempre me deixa com gostinho de quero mais! 

Contudo, apesar desse meu longo currículo de apreciação, foi apenas em 2022, quando me mudei para Belo Horizonte, que comecei a ter contato mais próximo com as artistas da cena local e, sem dúvida, foi um divisor de águas pra mim. Muito diferente de acompanhar apenas pelas telas, vivenciar essa expressão artística ao vivo é mágico, arrisco até dizer transcendental! Sempre que vou a uma apresentação ou evento de concurso, saio com as energias renovadas por esse universo. Admito que mesmo quando a performance não está sendo das melhores (rs) ainda assim assistir drags me traz esperança de um mundo mais lúdico. 

Graças a Deus, ops, à Pabllo Vittar, tive o prazer de ir a alguns concursos de drag no formato “show de talentos” e p*** q** p**** - me desculpe o palavrão - que experiência surreal. A garra que as drag queens demonstram no palco, todas levando suas potências artísticas ao extremo, sedentas pela coroa e - provavelmente, em especial - pelo prêmio em dinheiro, é algo que só um ambiente de alta competitividade pode nos proporcionar como espectadores. E a melhor parte, na minha experiência como público, além de curtir todos os shows, é escolher minha winner da noite e gritar por ela até o fim! 

Caso você ainda não esteja familiarizado com esse universo competitivo, permita-me te contar um pouquinho mais. Os formatos de concurso de drags que conhecemos hoje surgiram no século XX muito inspirados em concursos tradicionais de beleza como o Miss Universo que, nos Estados Unidos, por sua vez, deram origem ao Miss Gay America e Miss Continental a partir da década de 1960, como é possível ver no documentário Pageant, (2008, Dir,: Ron Davis e Stewart Halpern), que acompanha cinco competidoras durante um desses eventos, contando suas dificuldades e bastidores. Mas na prática é muito simples, apesar de cada concurso possuir suas particularidades. Em resumo, cada participante irá realizar uma performance que demonstre suas habilidades num tempo pré estabelecido. Posteriormente o painel de jurados irá selecionar as duas finalistas que irão batalhar entre si em uma última dublagem acalorada, sendo que a coroação pode ou não ter influência do público.

No último concurso que tive o privilégio de ir, quando o Drag Star Special Editions desembarcou no Cine Theatro Brasil em outubro de 2024 em BH, saí de lá rouco e passei alguns dias com a garganta arranhando de tanto gritar, mas valeu muito a pena, pois a sensação é que fiz parte da vitória da minha winner. Não queria admitir, mas não tem jeito, quando falo em concursos sou parcial em relação à Melody Queen, ela é um fenômeno no palco. Em duas oportunidades presenciei sua coroação: uma foi nesse Drag Star e outra no Drag Sunset realizado na Aqua Party, também  em BH, em que fiquei arrebatado por sua performance. Pra mim, é incrível como em cada oportunidade ela vai se reinventando e mostrando facetas da sua arte, seja com coreografias novas, reveals, surpreendendo em vários momentos a plateia, props (utilização de elementos de cena) e, claro, muito bate cabelo. Mas chega de puxa-saquismo de fã! A cena belorizontina está repleta de artistas saborosíssimas que vale a pena degustar.

Nesses eventos, por mais que nos camarins possa existir um clima colaborativo, em cima dos palcos a rivalidade serve como um propulsor para cada queen tentar extrair o melhor de si e da plateia, cabendo a nós espectadores a difícil tarefa de escolher nossa queridinha. São muitas possibilidades de expressões artísticas: umas apostam no emocional, outras no humor, aquelas que se sustentam apenas com o visual, além das conhecidas como lip sync assassin ou, se preferir, as assassinas de dublagem que não perdem a oportunidade de dar uma cambalhota e terminar em um dip, movimento clássico da cultura ballroom, sendo essas apenas algumas das alternativas. Então, você está preparado para sair boquiaberto ao ir a seu primeiro concurso? 

Em minha curta, porém apaixonada, experiência conheci alguns tipos de shows que são recorrentes nessas competições. Não seria justo escolher começar a falar de outro estilo que não seja o das old schools - pode ficar tranquilo que essas sabem comandar um palco -, apegadas ao glamour em sua roupagem vintage, com muitas pedrarias e normalmente vestidos de festa longos, essas queens vão conquistar sua atenção com uma dublagem dramática de alguma diva que tenha nascido bem antes dos anos 90 - pode entrar Whitney Houston, Donna Summer, Diana Ross, Cher, Tina Turner, Barbra Streisand e companhia. Os movimentos dessas performances tendem a ser mais contidos e intencionais, pois antigamente os palcos das casas de show onde rolavam essas performances eram bem menores. E, não se engane, não é apenas a “velha guarda” drag de BH que mantém essa cultura viva! Para além de nomes como Kayete, Nickary Aycker, Nayla Brizard e Walkiria La Roche, também há a nova geração como Aria Dreamz, muito inspirada na Era de Ouro de Hollywood, essa tive a oportunidade de ver performar no Batalha Drag de Lip Sync e fiquei apaixonado, mas foi uma surpresa quando ela não levou a premiação. 


Falando desse evento, a propósito, não me esqueço do show da Jessica Telles que foi praticamente um número de palhaçaria. Ela se despiu de toda vaidade e abraçou o caricato, servindo muita comédia corporal com aquele bom toque dos programas do  Chacrinha. Em seu primeiro número ela brincava com o universo das bonecas enquanto dublava “Barbie World”, do Aqua, mixada junto com ‘It’s Oh So Quiet here”, da Bjork, e na batalha final a vimos literalmente tomar banho em uma bacia. Foi a grande coroada da noite!


Porém, para entregar uma boa peça humorística nem sempre é preciso se utilizar de um visual caricato. Mira MiuMiu, famosa por suas perucas e beleza, tem um número icônico que usa um remix de Telephone, da Lady Gaga, com áudios da Tatá Werneck da época em que ela passava trotes telefônicos em um quadro na MTV. Lembro agora também da senhorita Charlotte brotando com infinitas garrafas de cachaça enquanto dubla “Chapadinha”, de Duda Beat. Mannu Malibu, por sua vez, usa e abusa de mixagens engraçadas. Enfim, poderia citar diversas queens que me arrancaram sinceras risadas sem sair do glam

Outro número artístico que você possivelmente encontrará nesses concursos é de algum cover, quando a drag resolve incorporar um artista, como na ocasião em que assisti Penélope Fontana entregar uma Xuxa tão energética, com o figurino e os trejeitos marcantes - aliás, um beijo pro Rodrigo Apresentador! Monalisa Leblanc, por outro lado, apresentou-se completamente entregue ao som de Slave for you, da Britney Spears, com o figurino impecável, ostentando inclusive a cobra do VMA de 2001. E se a Beyoncé racionou os visuais da era Renaissance, a Aysla Pirv entregou uma performance digna de premiação, acompanhada de dez dançarinos, no Grande Teatro do Palácio das Artes.


Enquanto algumas se apresentam junto a um balé completo, outras dão a cara a tapa e se desdobram para conseguir preencher o palco sozinhas - mas não ache que isso atrapalha o desempenho delas, amor. Com sangue nos olhos, elas dão um jeito de ocupar todo o espaço disponível, independente do tamanho. Em suas coreografias incorporam muitos passos de vogue e waacking, dois estilos de dança nascidos na comunidade LGBTQIAPN+. Espere também por muitas acrobacias, reveals e o bate cabelo que é um universo à parte. As músicas não seguem exatamente um padrão, mas certamente você irá ouvir um bom tribal bate estaca.

Embora não consiga encaixar em uma categoria específica, preciso mencionar dois espetáculos que me marcaram. O mais recente foi o show que a Carambola deu no Drag Star, simplesmente genial, fazendo referências ao filme The Rocky Horror Picture Show e dublando Sweet Transvestite. Ela transformou o Cine Theatro em um verdadeiro cabaré, sua performance foi extremamente sensual, ousada e provocativa, como no próprio filme que a inspirou, levando a plateia à loucura quando terminou seu show apenas de calcinha. 

O segundo espetáculo foi apresentado pela lendária Wandera Jones no Drag Sunset na Aqua Party, sendo ela detentora de um legado inquestionável para a cena belorizontina com seu estilo único. Enquanto fazia lip sync de um pop eletrônico, de repente ela  surgiu com uma cauda inflável de uns cinco metros de comprimento. Isso literalmente mudou minha vida e, a julgar pela recepção do público, não foi só a minha, todos ficaram passados. Não à toa Wandera é conhecida por suas artimanhas tecnológicas - vai ter que respeitar!

Honestamente poderia falar por mais uns bons parágrafos sobre shows em concursos de drags que alteraram minha química cerebral, mas creio que já temos o suficiente para ter uma ideia e certamente minhas palavras não transmitem com precisão o quão mágicos são esses momentos. É o tipo de experiência em que o visual e o calor humano são peças fundamentais. Infelizmente não há como garantir que em outras cidades você tenha experiências neste nível, mas em Belo Horizonte a cena tem muito a entregar com uma diversidade imensa de artistas completíssimas. Com esse breve relato, portanto, espero ter te convencido  de que você, se ainda não foi, precisa ir a pelo menos um concurso de drag queens em sua vida e que, ao final, se tudo der certo, você saia rouco de tanto gritar por sua winner.

Wallace Pacheco é estudante de Publicidade e Propaganda (UFMG) e criador da Mordidas.

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