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Pabllo Vittar e Gloria Groove despontam como as protagonistas da cena drag no cenário musical brasileiro. | Foto: Reprodução

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23 JAN, 2025

música   

Drag musical à brasileira:

uma cena

por Carlos Magno Camargos Mendonça

No dia oito de outubro de 2015, o lançamento na plataforma Youtube do videoclipe da música Open Bar, versão samba/queen do sucesso internacional Lean On, resultado de uma colaboração entre Major Lazer, o DJ Snake e a cantora MØ, projetou a drag queen Pabllo Vittar para a cena musical pop brasileira. A produção musical do single esteve a cargo dos DJs Gorky, Maffalda, Omulu e Diogo Strausz. Vittar já tinha uma carreira na cidade mineira de Uberlândia e divulgava seus trabalhos em um perfil no aplicativo Instagram. Em menos de quatro meses, Open Bar alcançou a marca de um milhão de visualizações. Em 2016, foi a vez de outra cantora drag queen alcançar um índice parecido de sucesso. Gloria Groove obteve um número superior ao de quatro milhões de visualizações do videoclipe da música “Dona”. Naquele mesmo ano, a música “Trava trava” apresentou ao Brasil Lia Clark, a primeira cantora drag queen de funk. Também no ano de 2016, em parceria com Gloria Groove, Aretuza Lovi lançou a música “Catuaba”. A boa repercussão do lançamento foi comprovada quando a música se tornou a mais tocada no carnaval LGBTQ+ de 2017. 


Nesses quase 10 anos do lançamento da música Open Bar, uma tessitura feita de diversos fluxos audioverbovisuais tem delimitado aquilo que poderíamos chamar de uma cena drag musical à brasileira¹. Utilizo aqui a noção de cena musical de modo um pouco distinto daquela que geralmente é utilizada nos estudos que relacionam música e comunicação: uma cena que não está definida por um gênero musical específico, mas por um tipo de performance dos corpos; uma cena que não se fixa apenas nas geografias urbanas, tendo experiências musicais e presenciais em diversos territórios – físicos, digitais e existenciais. Por outro lado, recorro aos elementos que possuem uma conversação intensa como a noção de cena musical presente nos estudos brasileiros: o fortalecimento de dinâmicas sociais e de interação baseado na música; marcado por uma manifestação intensa das, des e dos fãs; o fortalecimento da noção de pertencimento; a formação de uma crítica especializada diante da produção estética que dali advém. 

  

Uma publicação do site Latin America Business Stories – Labs-, com base em dados do serviço de streaming de áudio Deezer, em janeiro de 2020, apontou Pabllo Vittar e Gloria Groove como as protagonistas da cena drag no cenário musical brasileiro. Ademais das estratégias gerenciais das carreiras das artistas, o site Labs atribui o sucesso ao engajamento das comunidades de fãs. O texto lembra que em um país com altos índices de violência contra a população LGBTQ+, apoiar as artistas drag queens é um gesto político. Entrevistada pelo site, a professora e pesquisadora Adriana Amaral comentou: “Essas práticas (das comunidades de fãs) são similares às práticas de ativismo. Temos a ideia de comunidade, de coletivo, de mobilização, de organização”².

Desde a divulgação do videoclipe de Open Bar, assistimos o surgimento, a partir da junção mídias convencionais e mídias digitais (junção aqui entendida como sistemas híbridos de produção e circulação de informação), de uma força ética e estética alimentada pelas ações de propagabilidade. Propagar e propagandear são coisas diferentes, reforçam Jenkins, Green e Ford³. Nos sistemas híbridos de produção e circulação de informação, a propagabilidade ocorre a partir dos interesses de quem faz circular o produto informacional ou de entretenimento. A propagabilidade refere-se ao potencial técnico e/ou cultural de audiências compartilharem conteúdo para seus próprios fins. 

Ao concordar com a hipótese de que a cena drag musical à brasileira aflora de um ativismo de fãs no ambiente digital, reconheço a existência de uma disponibilidade para o consumo de produtos musicais pertencentes a uma matriz cultural deste tipo. O sucesso nas redes digitais abriu caminho para o acesso aos canais midiáticos convencionais. O bom êxito das cantoras Drag Queens foi auxiliado, também, pelas dinâmicas das mídias digitais onde as produções musicais são divulgadas: as pessoas fãs não precisam comprar o arquivo das músicas ou assinar plataformas para consumir o trabalho das cantoras; elas estão a um clique de distância das rainhas. 

A cena Drag Music à brasileira fortalece a estética drag como um todo. Lembro que esta estética é dotada de uma visualidade memorável. Junto da música, a construção do corpo drag estabelece uma assinatura das cantoras. A montação recorre a arquivos diversos que serão acionados em suas performances. Um corpo feito texto visual, conectado a outros textos. Este colosso estético não está limitado à construção de uma personagem. O corpo das artistas sustenta a expressão de tipos distintos de experiência. Na sua fartura visual, aqueles corpos denunciam as opressões vividas sob diversos marcadores sociais da diferença. Montar-se de uma maneira e não de outra é um gesto intencional que tem como objetivo colocar em performance suas expressões identitárias. Esteticamente, a performance drag pode invocar um agir ético, colocar em questão os limites impostos pelos papéis sociais de gênero; denunciar o patrulhamento heteronormativo sobre os corpos, tentando controlar suas formas e seus prazeres; convocar o debate sobre questões de classe e raça; e investir na visibilização de identidades fluidas e diversas. 


O arco estético sustentado pelos pilares música e montação nos permite perceber como os efeitos éticos das expressões de si nas poéticas artísticas destas cantoras impactam sobre a experiência de pessoas que vivem nas bordas sociais em razão de seus corpos, identidades ou sexualidades. Entendo que esta produção discursiva é um empreendimento artístico na construção de formas de representatividade para uma minoria. Desta maneira, acredito que os efeitos estéticos de tais empreendimentos são capazes de fortalecer laços de pertencimento, de criar formas de ver a si e ao mundo, bem como de dizer das necessidades e das maneiras LGBTQ+ de existir. Investimentos éticos e estéticos destinados às edificações de representatividade oferecem abrigo para identidades e subjetividades de grupos minoritários.


Neste contexto, a potencialização dos elementos de linguagem são fundamentais para a cena. Entendo que o videoclipe tem um protagonismo nesse universo. O processo de articulação desses elementos produz uma cultura visual própria que interpela e é interpelada pelo universo audiovisual dos videoclipes. A produção audiovisual, a propagabilidade dos conteúdos e a visualidade das montações configuram na cena drag musical um conjunto articulado a partir das práticas musicais e da representatividade de categorias sociais atreladas à performance drag. Uma cena como um lugar marcado pela possibilidade de apresentar narrativas de existências possíveis para além das normas binárias de gênero.

¹No artigo “E nessa cena a vovó da Pabllo já era transgressora: performances

queer na música pop brasileira”, publicado no endereço https://periodicos.uff.br/contracampo/article/view/28054, Felipe V. Kolinski Machado e eu comentamos uma possível trajetória queer na música brasileira.

²https://labs.ebanx.com/pt-br/artigos/sociedade/pabllo-vittar-e-gloria-groove-streaming-drag-queens/

³Jenkins, H., Green, J. & Ford, S. (2014). Cultura da conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. São Paulo: Ed. Aleph.

Carlos Magno Camargos Mendonça é Professor Titular do Departamento de Comunicação Social, Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social, Pesquisador no Núcleo de Estudos em Estéticas do Performático e Experiência Comunicacional – Neepec/UFMG e Bolsista de Produtividade CNPq

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