top of page
capa annav2_1.png

Isto é montar: organizar; selecionar e combinar; juntar (partes de algo) num só; encaixar; dispor; organizar. | Foto: Felipe Pellucci

t2.webp

23 JAN, 2025

montação

Quando as palavras
também montam

Um olhar sobre a montação como processo afetivo de escrita e desenvolvimento dos perfis das drags.

por Anna Vilela

“O amor é uma ação, nunca simplesmente um sentimento”

— bell hooks

A revista Mordidas nasceu para mim como um repositório da minha criatividade, um meio de concluir o curso de Publicidade e Propaganda na UFMG fazendo uma das atividades que mais gosto na área e na vida, escrever. Porém, desde o início, o projeto se tornou muito maior do que eu e meus amigos. Afinal, a arte drag é sobre isso. É mais forte do que qualquer desejo individual. 

Para além de uma paixão, a revista para mim passou a ser uma oportunidade de representar e homenagear a cena drag da capital mineira. Escrever os onze perfis foram a minha maneira de contribuir no corpo editorial. Por meio da história de 11 drag queens belo-horizontinas, busquei refletir a diversidade drag e mostrar o potencial estelar da cidade, sempre com o objetivo de extrair o diferencial de cada uma. Assim, os perfis foram construídos a partir das  entrevistas remotas que realizamos com as personagens. Assino individualmente a redação deles, mas o trabalho como um todo foi carregado pela sintonia do grupo e pela profunda inspiração que senti das pessoas que aqui retratamos.

Outrossim, em uma metrópole tão rica e talentosa como BH, seria inviável perfilar tantas artistas com os prazos e limitações de um Trabalho de Conclusão de Curso. Além disso, nosso produto é uma revista, que também tem limitações editoriais, ainda que a nossa seja digital e online. Contudo, escolhemos uma queen para representar cada categoria profissional e artística que consideramos mais relevante. Uma tarefa desafiadora, que vencemos  pelo prazer de contar com a participação e colaboração de tantas drags incríveis, que superaram nossas expectativas. Além disso, acabamos entendendo que as categorias escolhidas não contemplavam de forma justa a complexidade e as habilidades que as artistas nos apresentaram nas entrevistas. Portanto, acabamos expandindo as categorias para definições multipalavras, mais despretensiosas e amplas, que abrem cada um dos perfis.

Desse modo, meu trabalho de redação partiu do retorno das conversas que tivemos com as drags e de como essas trocas nos afetaram enquanto pessoas e comunicadores. Toda a equipe da revista  realizou a decupagem das entrevistas com as drags como uma etapa de pré-escrita. Contando com a ajuda dos colegas e parceiros para organizar os textos, pude entender quais falas das personagens faziam mais sentido para a revista. Com o intuito de condensar tantas boas histórias, tentar capturar aquilo que sentimos enquanto grupo, espectadores e fãs das drags, estruturei os textos em três principais focos: Identidade, Carreira e Perspectivas.

Ademais, outro desafio foi a ansiedade que senti nos primeiros dias de escrita. Temia chegar ao final do 11º texto com a criatividade esgotada, sem a energia necessária para que todas as personagens tivessem a mesma qualidade aplicada. Contudo, rapidamente percebi que o verdadeiro obstáculo seria parar de escrever. As drags se mostraram tão interessantes que tornaram inviável não ter sobre o que criar.

Enquanto um time editorial, juntamente ao nosso professor orientador, gostamos de pensar que, do nosso jeito, escrever esses perfis também foram como montações. Afinal, pela linguagem montamos as drags, compondo suas histórias por meio da edição. Isto é montar: organizar; selecionar e combinar; juntar (partes de algo) num só; encaixar; dispor; organizar. Ainda, no sentido explicado por Isaac Itamar de Melo Costa, em sua tese de doutorado VRÁ! (ou entre ela e eu): discurso de um sujeito drag queen, “Montação se refere ao processo de constituição de uma drag queen pelo sujeito performer – a maquiagem que utiliza, as roupas que veste, o novo corpo que fabrica.”. Ou seja, montamos e constituímos as personagens como parte da revista, fabricando-lhes um novo corpo, por meio da escrita que ocupou o papel de maquiagens e vestimentas.

A cena drag queen de Belo Horizonte é marcada por constantes obstáculos ao longo dos anos. Mas, fica também evidente o modo como se recusa a morrer e jamais deixa de se renovar. Um processo de resistência tão potente, que inspira, muda algo na gente. Custo a acreditar que alguém possa entrar em contato com tanta entrega e beleza sem ser impactado. Ou talvez, eu não queira acreditar e me soa inconcebível a ideia de observar atentamente artistas drag queens - não somente as belo-horizontinas e não apenas as onze aqui abordadas - e não se sentir encantado. Torço para que eu tenha conseguido valorizar, respeitar e, com sorte, ter transmitido pelo menos uma parte do que Aria, Bella, Charlotte, Joanna, Kayete, Lillia, Mannu, Mira, Nickary, Voga e Wandera significam para Belo Horizonte e para a arte drag. 

A Mordidas é, para mim, muito mais do que uma conclusão de curso, mas um projeto de vida que fecha um ciclo de muita entrega e molda a forma como enxergo o mundo e minha profissão. Acima de tudo, é uma declamação de todo o meu amor pela arte drag, por Belo Horizonte, Felipe, Juan e Wallace. E se, amor é uma ação, o meu ato de amar foi redigir esses onze textos.

Espero que gostem!


Com carinho,

a redatora.

Anna Vilela é estudante de Publicidade e Propaganda (UFMG) e criadora da Mordidas.

MARCA.webp
bottom of page