


O nome também veio dos amigos. Durante uma noite de boate, enquanto bebiam e dançavam, começaram a discutir como a nova artista deveria se chamar. Foi então que uma amiga querida sugeriu "Nickary" e o nome agradou. Ela pensou em acrescentar "Ohana," mas outro amigo sugeriu "Aycker," e um terceiro completou a ideia. Selando o nome: "Nickary Aycker."
Pode parecer surpreendente, mas a vontade de ser drag não veio de Nickary, mas dos seus amigos. Tudo aconteceu na extinta e lendária boate Eros, onde Nickary se encantava pelos shows drag que assistiu numa noite, quando Carlinhos Brasil passou por perto dela e dos amigos.

Carlinhos topou e agendou para Nickary dali a uma semana e, assim, no susto, sua drag nasceu e, quase sem nenhum tempo de preparo, fez sua primeira apresentação. Antes mesmo da queen ter plena consciência de seus desejos, seus amigos não só traduziram suas emoções, como também deram a ela um ponto de partida para a carreira.


Foto: Acervo Pessoal



Há 16 anos nascia um colosso na capital mineira, uma drag queen que marcaria a cena com seu poder artístico e ímpeto de resistência. Talvez, seguindo os versos de Jennifer Holliday dublados por ela em sua primeira performance, enquanto o afeto for essência, Nickary Aycker será uma revolução.
A woman's got the strength
A woman's got the power
Uma mulher tem a força
Uma mulher tem o poder


Foto: Reprodução/Instagram/nickary.aycker


Uma diva
Eu
Um suco
Morango, sempre!
Não vivo sem
Cerveja
BH é
Tudo pra mim!
Um sonho
Ser atriz de novela
Um medo
Da maldade das pessoas
Ser drag é
Existir
Nickary Aycker por Nickary Aycker
Amor


“Continuar sendo, a cada dia, a protagonista da minha própria história, da minha existência e da minha vivência.
Criar essas novas camadas, conquistar esses novos lugares e passar a estar presente neles.”
Os sonhos são vários! Nickary quer continuar explorando e otimizando sua drag, com muito estudo e preparo. Com um passinho por vez, seu maior desejo é se tornar uma grande atriz de televisão, um rosto memorável em filmes e novelas. O teatro tem sido uma verdadeira paixão de Nickary desde sua estreia profissional na companhia de teatro Toda Deseo com o espetáculo “Quem é você?”.

Fotos: Reprodução/Instagram/nickary.aycker


Na primeira performance de Nickary, muitas coisas ainda precisariam ser aprimoradas, pensadas, criadas. Porém, cada segundo foi genuíno, especial, e marcou sua vida. Na época, praticamente todas as queens faziam parte de uma espécie de padrão - eram homens gays afeminados, magros e brancos, de modo que Nickary não estava dentro do que era tido como aceitável, tendo que enfrentar uma barreira de preconceito dentro da própria comunidade LGBTQIAPN+.
Contudo, quando a drag chegou no primeiro palco de sua vida, batendo cabelo e quebrando o evento com seu lip sync e sua presença voraz, foi ovacionada aos gritos e aplausos e cravou seu lugar como drag queen em Belo Horizonte.

“A partir de então eu comecei a entender muitas coisas.
[...] Para onde que a Nickary quer ir, aonde a Nickary quer chegar, o que quer alcançar. Qual é o propósito desse trabalho enquanto uma artista drag queen transformista, porque realmente não é só estar no palco. Existe todo um trabalho de construção, existe todo um contexto para que a gente possa estar presente nesse palco.”

Foto: Marcelo Batista



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"Ela não quer mais viver dentro desse guarda-roupa, dentro dessa caixinha, dentro dessa bolha. Ela quer gritar, ela quer se libertar, ela quer existir”.
“Eu consigo sentir nas pessoas a devolutiva da proposta que eu apresento para o público. E aí quando vem a devolutiva de positividade, de carinho, de amor, das pessoas se sentirem abraçadas pela minha arte, pelo meu trabalho, isso para mim é muito gratificante. [...] Então acho que a arte drag para mim vai muito além de uma dublagem, de um figurino, de uma performance, de uma maquiagem, de um cabelo. Enfim, [há] um contexto inteiro, eu acho que ela vai bem para essa camada mesmo, do afeto”

“Não quero mais viver dentro desse guarda-roupa [...] Então é por isso que eu falo que muita das vezes é difícil desvincular as emoções da vida pessoal com a vida artística e que na verdade vai seguindo ali bem juntinho.”
Com uma carreira de peso, Nickary vive de sua arte há anos e carrega inúmeras vitórias em concursos e títulos como o Prêmio Zumbi de Cultura, na categoria Resistência 2023, Miss Trans BH Plus Size 2023, e Atriz Coadjuvante no Prêmio Sinparc 2019 pela peça "Quem é você?". Ela ainda foi agraciada com o Prêmio Leda Maria Martins 2022 pelo documentário “Fabulosa Nickary Aycker”, que conta sua história de vida. Outrossim, essa vontade de se fazer presente no meio político veio quando Nickary percebeu que precisava se expor para que as pessoas reconhecessem sua existência.
Mas hoje a artista percebe que gosta mesmo é de fazer dos palcos da arte o seu palanque e acredita na importância de ser referência para pessoas minorizadas por meio de sua representatividade drag. Poucas coisas deixam Nickary tão realizada e alegre quanto saber que alimenta de alguma forma o sonho das pessoas e as afeta com o seu modo de viver.
A arte drag foi uma transformação para Nickary, trouxe leveza com o aprendizado de que é preciso autocuidado para continuar usufruindo do seu lugar de fala, para se fazer presente, para resistir. A drag belorizontina sente um orgulho imenso do quanto cresceu desde o começo da carreira.
Nickary Aycker tornou-se queen como fruto de sua luta e da força coletiva das pessoas que acreditaram nela desde o início. A drag teve a honra de ser amadrinhada por Wandera Jones, uma titã belorizontina que sempre a ajudou a desenvolver sua autonomia, confiando no seu potencial e se importando genuinamente com ela. Logo, falando do contexto geral do que é ser uma drag queen, suas maiores referências sempre foram Wandera e também Sandra Lee e Suzuki, colegas de cena que não só a inspiram, como se tornaram rede de apoio e suas grandes amigas.
Segundo Nickary, houve um tempo não muito distante, em que a capital mineira era marcada por hostilidade e competição, como roubo de cachês e perucas, chicletes grudados nos figurinos e até agressões físicas eram práticas comuns nos camarins. Resistir exigia coragem e humildade. Mas, felizmente, a drag pôde contar com o apoio e proteção de seus amigos. Comparando com a cumplicidade das pessoas que compõem a cena atual, que é muito mais tranquila e respeitosa, Nickary destaca o papel fundamental de Charlotte e da Wig Events como exemplos que contribuíram para essa transformação.
Há 16 anos nascia um colosso na capital mineira, uma drag queen sem medo de existir em sua corpa. Uma mulher travesti, preta, gorda, que marcaria a cena com seu poder artístico e ímpeto de resistência.
Mais do que a estética glamourosa e uma performance de tirar o fôlego, Nickary Aycker é referência, uma força política belorizontina, que contagia qualquer um com sua positividade e a imensidão de seu afeto.






“A emoção de se fazer presente, da chegada dessa corpa que para muitas pessoas, aquele público daquela época, era uma corpa que não tinha que existir. Mas aí como fui entregue completamente… Não prometi nada, mas entreguei o que eu queria entregar mesmo: Nasceu essa Nickary Aycker.
Essa emoção todos os dias reverbera dentro de mim.”
Tal entrega, que teve desde o início, com o tempo foi fortalecendo uma libertação. Nickary não queria mais sair dos shows e se desmontar, pelo contrário, queria poder sentir-se mulher em todos os lugares. Assim, aos poucos manifestou uma identidade de gênero e, por meio da arte drag, descobriu-se mulher trans-travesti.
Infelizmente, segundo Nickary, é comum que o público tenha certa resistência à possibilidade de uma mulher travesti fazer arte drag. Em grande parte por não compreenderem a diferença entre expressão artística e identidade de gênero. A queen nem sempre tem a disposição de ser didática, levar esses conhecimentos para as pessoas. Entretanto, segundo ela, o fato é que, embora exista essa problemática, “as meninas trans estão aí e estão fazendo o babado acontecer!”. Apesar de quaisquer dúvidas e estranhamentos que outros possam sentir, a drag só quer sossego para poder fazer o que ama e ser quem é, afinal de contas:
“Eu sempre tive a certeza dessa mulher que sempre existiu dentro de mim”


“Às vezes a leveza da arte vai trazer mais possibilidades do que esse lugar de ‘vamos botar a cara, tiro, porrada e bomba. [...] É isso que eu procuro sempre transmitir para as pessoas através do meu trabalho, é esse afeto. Que se sintam abraçados e representados pelo meu trabalho. A Nickary vai ser essa referência, mas você também pode ser protagonista da sua própria história.”
Ademais, a arte drag já proporcionou muito à Nickary e segue crescendo e transformando sua vida ou, como ela mesmo diz, é um processo de “matar cinco leões por dia”. Em sua primeira performance, fez um lip sync com a canção Woman's Got The Power, da Jennifer Holliday. Utilizou um figurino preto feito de vidrinhos, que cintilavam enquanto ela entregava sua alma na dança e no bate-cabelo. Entretanto, na adrenalina do momento, Nickary não percebeu que seus braços estavam cheios de sangue, tendo sua pele cortada pelos vidros do figurino. Ela constatou apenas quando chegou no camarim.
A partir daí, entendeu que precisava trabalhar muito para aprender quais peças seriam adequadas para os seus números. Mais ainda, compreendeu que uma jornada de presença e glamour exige um preço alto. Contudo, para ela, nada vale mais a pena do que ser referência e a emoção daquele dia vai estar sempre guardada em seu coração.
“Quando eu piso no palco, eu lembro daquele primeiro dia.
E é com essa mesma emoção, é com essa mesma verdade, é com esse mesmo sentimento que eu continuo levando o meu trabalho e a minha arte para as pessoas.”
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Foto: Reprodução/Instagram/nickary.aycker

Foto: Reprodução/Instagram/nickary.aycker

Foto: Anda Direito/Divulgação

Foto: Rafaela Urbanin


Fotos: Reprodução/Instagram/nickary.aycker

Fotos: [1] Reprodução/Instagram/nickary.aycker, [2] Acervo Pessoal


Foto: Reprodução/Instagram/photoartvolpi

Foto: Victor Senador

Fotos: [1] Reproduçã/Soundcloud, [2] Reprodução/Instagram/nickary.aycker
